APÓS 10 ANOS, VOLUME DE SALÁRIOS RECUA

Imprimir    A-    A    A+

27/07/2015

O valor total de salários pagos aos trabalhadores formais do País caiu 0,32% nos primeiros quatro meses deste ano em relação a igual período de 2014, totalizando R$ 375,7 bilhões. É a primeira redução após uma década de crescimento anual consecutivo. Para analistas, a queda é resultado do aumento do desemprego, da inflação alta e da substituição de salários maiores por menores.

De 2004 para cá, período que coincide com o boom da classe média – quando cerca de 35 milhões de brasileiros passaram a integrar a Classe C -, o aumento anual do total pago aos trabalhadores formais variou de 3,7% a 11,6%. A curva crescente se inverteu e, dos quatro primeiros meses deste ano, em três os resultados foram negativos na comparação anual.

O montante pago em todo o País tem como base dados da Caixa Econômica Federal para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que mensalmente recolhe 8% dos salários de quem tem registro em carteira de trabalho. Os valores foram corrigidos pela inflação do IPCA e dessazonalizados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

As primeiras quedas neste ano ocorrem após resultados positivos consecutivos durante 134 meses – desde novembro de 2003, quando foram desembolsados R$ 42,6 bilhões em folhas de pagamento, até dezembro do ano passado, quando o montante atingiu R$ 95,3 bilhões.

Em janeiro ocorreu a primeira reversão de 0,9% na variação de 12 meses. Em fevereiro o valor ficou 2,4% positivo, mas em março voltou a cair 1%. A queda se repetiu em abril, com saldo 1,6% menor que o de um ano atrás, de R$ 92,7 bilhões.

“Por dez anos seguidos a massa salarial cresceu em média 8% ao ano, mas o fôlego acabou e agora estamos em queda”, diz o pesquisador da Fipe, Eduardo Zylberstajn. Ele ressalta que, dos 22 Estados brasileiros, apenas em quatro (Ceará, Pará, Paraíba e Paraná) houve aumento dos valores pagos em folha de pagamento em abril.

Segundo ele, a combinação de desemprego, inflação alta e substituição de salários maiores por menores têm levado a essa queda na massa salarial.

De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, o índice de desemprego em maio ficou em 8,1%, o maior da série iniciada em 2012. A amostra, que coleta dados em domicílios de trabalhadores formais e informais, mostra também que houve queda de 0,4% no rendimento médio real do trabalhador, que ficou em R$ 1.863 no período.

Já a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) apresentou recuo de 2,9% nos rendimentos de junho de trabalhadores com e sem carteira ante o mesmo mês de 2014. Também do IBGE, a PME é feita por amostragem em cerca de 38,5 mil domicílios de seis regiões metropolitanas (Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo).

A tendência é de que a situação se aprofunde nos próximos meses, já que as previsões de analistas indicam aumento do desemprego.

Sem aumento real. Além disso, várias categorias de trabalhadores não estão conseguindo obter aumento real nas negociações salariais, em razão da crise, e indústrias estão recorrendo a acordos de redução de jornada e salários, além dos chamados lay-off (suspensão temporária dos contratos de trabalho).

Aumentos salariais das categorias com data-base no primeiro semestre também têm ficado abaixo da inflação. Em junho, por exemplo, a média de reajuste obtida foi de 7,7%, enquanto a inflação de 12 meses pelo INPC foi de 8,8%.

Significa que os trabalhadores não estão conseguindo repor a inflação passada, situação diferente da observada nos anos anteriores, quando acumularam aumentos reais, avalia a Fipe.

Dados preliminares do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam para um ano difícil nas negociações entre empresas e funcionários na obtenção de reajustes. “A piora no mercado de trabalho e a inflação em alta devem levar a um recuo no número de categorias que vão obter ganho real”, afirma José Silvestre, coordenador de relações sindicais do Dieese.

No ano passado, 93% das categorias conseguiram aumento real acima da inflação, em média de 1,4%. “Este ano, além do recuo na proporção de reajustes com ganho real, o tamanho desse ganho será menor, abaixo de 1%”, prevê Silvestre. Ele lembra que, desde 2004, havia um quadro crescente de melhora nas negociações salariais, com exceção de 2009, em razão da crise internacional.

A consultoria GO Associados prevê para este ano um recuo de 2,3% no valor da massa real de rendimentos (para R$ 44,1 bilhões) nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, ante um aumento de 3,5% no ano passado. O rendimento real médio deve cair 1,4% (para R$ 1.926), depois de ter subido 3,6% em 2014.

Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) deve chegar ao fim do ano com saldo negativo de 900 mil postos, prevê o sócio-diretor da GO Associados, Fabio Silveira. “Há sinais de alarme por todos os lados. A deterioração antes verificada na indústria se espalhou pelas áreas de comércio, serviços e construção civil.”

Segundo ele, “enquanto não houver melhora no nível de atividade – o que só deve ocorrer a partir de meados de 2016 -, a pressão é de baixa”.

 

PARA ESPECIALISTA, PROGRAMA CONTRA CORTES PODE AJUDAR

O Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que teve as regras de adesão divulgadas nesta semana, pode ajudar a atenuar as demissões de trabalhadores, o que deve compensar a queda na renda prevista com a redução dos salários, acredita o coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), José Silvestre.

Ele avalia o mecanismo como “menos ruim” se comparado ao lay-off (suspensão dos contratos de trabalho por até cinco meses). “No PPE, o trabalhador tem perda, mas mantém o vínculo empregatício e continua recolhendo demais verbas da remuneração, como FGTS e INSS”.

O PPE prevê redução de jornada e dos salários em até 30%, mas, para o trabalhador, metade da queda salarial será bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Para aderir ao programa, é preciso aval de um comitê específico formado por ministros de várias pastas (que avaliará se a empresa solicitante está efetivamente em crise) e de acordo entre empresas e sindicatos de trabalhadores.

Na opinião de Eduardo Zylberstajn, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), “todo mundo perde um pouco, mas não tem o trauma do desemprego”. Ele avalia o programa como um avanço na flexibilização do trabalho. “Mostra a maturidade das partes envolvidas para entender a seriedade da crise”.

O sócio-diretor da GO Associados, Fabio Silveira, vê o programa como tentativa do governo “de atenuar o baque que atinge o mercado de trabalho hoje”. Ele, contudo, não acredita que vá surtir efeito no curto prazo porque não há demanda doméstica capaz de incentivar o consumo e o investimento.

“Precisaria ser uma combinação política, com planejamento, mas o País passa por um momento de conflito aberto entre o Legislativo e o Executivo e não há clima para se tentar um encaminhamento de política que tire a economia brasileira desse buraco”.

 

‘ME AGARREI AO MERCADO INFORMAL’

Desde que começou a trabalhar, aos 15 anos, esta é a primeira vez que a ex-analista financeira Andy Junqueira Vaccarelli, de 39 anos, não tira seu sustento de um emprego formal. Ao ser dispensada em uma demissão em massa de um centro empresarial em São Paulo, em março, a renda de Andy despencou: do salário de R$ 4 mil do escritório, somado aos trabalhos informais que fazia como produtora cultural, totalizando cerca de R$ 7 mil por mês, passou para R$ 1,5 mil, em média. Para sobreviver, ela se viu obrigada a mudar de profissão e transformou seus bicos em sua principal fonte de renda.

Até os bicos da produção cultural, no entanto, diminuíram. A queda no volume de eventos, como shows e apresentações de teatro, fez o ganho de Andy com os trabalhos informais cair pela metade – de cerca de R$ 3 mil para R$ 1,5 mil por mês. A redução brusca forçou Andy a mudar seu padrão de vida. A produtora trancou a graduação em Marketing em uma universidade particular, deixou de frequentar rodízios de sushi e cinemas nos finais de semana e passou a encher o tanque do carro apenas uma vez por mês. “Nunca senti uma crise assim antes. Tive que me agarrar no mercado informal”, diz.

A demissão de uma escola particular em São Paulo também obrigou a pedagoga Cristiane Alves da Silva a refazer seus planos. A professora deixou o quadro negro para trabalhar como manicure, no pequeno salão de beleza de sua mãe, cabeleireira. No primeiro semestre, sua renda caiu de R$ 2 mil para R$ 1 mil ao mês, e a rotina ficou mais pesada. “Na escola, meu dia terminava às 17 horas. Agora, no salão, vou embora às 20 horas, e ainda trabalho em feriados”, conta.

A mudança também transformou a vida de suas filhas, Isabelle, de 15 anos, e Hyanne, de 13. As meninas, que ganhavam bolsa integral na escola em que a mãe trabalhava, agora estudam em uma pública. “O aprendizado é zero, porque elas estão revendo conteúdos que já aprenderam”, reclama. A família também se mudou de um apartamento alugado para a casa da mãe de Cristiane.

Fonte: O Globo.